A máquina do eterno retorno de Murilo Rubião

por Marília Westin*


“Muito poderia contar das minhas preferências, da minha solidão, do meu sincero apreço pela espécie humana, da minha persistência em usar pouco cabelo e excessivos bigodes. Mas, o meu maior tédio é ainda falar sobre a minha própria pessoa.”

Murilo Rubião

Para Murilo Rubião (1916-1991), em meio a governos totalitários, toda literatura funciona como forma de questionamento. Este se dá em sua escrita mediante a instauração de outra normatividade, que transgride as noções de realidade e da própria ficção. A fórmula encontrada pelo autor para essa façanha é misturar em uma mesma narrativa o fantástico, o real, a subversão da forma dos contos de fadas e as epígrafes bíblicas.
A obra muriliana está exatamente entre o real e o suprarreal por ser este o local da cidade moderna, um lugar de não lugar, que fabrica/produz relações superficiais e ilusórias. Em Rubião, o suprarreal assume tão fortemente a roupagem de real que o leitor, ao terminar um conto, não sabe mais onde está a realidade e, mais importante, se existe realidade.
A metafísica questionadora do conto propõe o desvendar da realidade moderna, porém se depara com uma epígrafe que, gerenciada pela força mítica, impõe uma normatividade governada pela moral judaico-cristã.

Para ler: Murilo Rubião – Obra completa. Companhia das Letras, 2010.

O ciclo de Rubião
O conflito entre a história linear e circularidade mítica da epígrafe faz com que a lógica seja invertida – o conto assume um caráter cíclico e o personagem fica fadado a girar sobre si mesmo, eternamente, em busca de uma mudança que aparenta estar cada vez mais distante.
Assim como seus personagens, o leitor dos contos de Rubião se percebe fora deste local, desnormativiza-se, desacostuma-se com o moderno e, ao não aceitar o mundo em que vive, procura uma chance de mudança, mesmo sabendo que poderá ser condenado a procurar eternamente.

* Marília Westin é professora, tutora pedagógica e idealizadora do Instituto Repensar.

 

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