Cartas na mesa

Fotografia de uma mesa verde de jogos de poker com cartas de baralho espalhadas e fichas de jogos;
Fofo: License to use Creative Commons Zero - CC0

por Felipe Sanches*

Egídio, gerente do Banco da Cidade, apostava em Álvaro como seu sucessor. Há 13 anos no cargo, o “chefe” já beirava os 60 e estava prestes a se aposentar – por bem ou por mal. O século 21 já mostrava seus dentes, uma nova era se revelava e Egídio contava os dias para dar entrada com os papéis no INSS.

Toda aquela situação, por mais favorável que pudesse parecer, não fazia bem a Álvaro. Avesso às ordens, ele se via num passado de duro cumprimento, num presente de obediente aceitação e num futuro de pleno exercício – logo ele, tão afeito à democracia.

Aquela estrutura de cargos e atribuições do banco lhe parecia mais um quartel do que uma empresa, em que o General de Brigada era o capital, representado em seu acelerado e cada vez mais virtual fluxo. Assim como as tropas em guerra, o dinheiro avançava, avassalando crenças, convicções, identidades, sociedades, a dignidade humana. E Álvaro se via no meio daquela avalanche, assim como corresponsável por tudo aquilo. Era sufocante.

Num belo fim de tarde de outono, sexta-feira, eis que Egídio convoca a todos do escritório para um happy hour, sem aviso ou pretexto, apenas um endereço: Av. dos Bandeirantes, 1313. O convite era especial para Álvaro, “Você tem que ir”.

Entre táxis e carros particulares, as pessoas chegaram ao local, que mais se assemelhava a uma boate que a um bar. Liberada a entrada pelos seguranças, o que se via lá dentro eram dezenas de enormes mesas redondas com uma maioria de senhores de meia-idade sentados em volta. Um olhar mais próximo decifrava o quebra-cabeça: roletas, feltro verde e baralhos. Era um cassino.

Egídio demonstrava total desenvoltura no ambiente, o que levou todos os oito colegas (seis homens e duas mulheres) a presumirem, quase que em sintonia, se tratar de um verdadeiro habitué. Ele, então, ofereceu a cada um de seus convidados a quantia de nada menos que 500 reais para que se divertissem na jogatina, no que convocou a Álvaro que se sentasse ao seu lado numa mesa de blackjack.

Enquanto se acomodava, Álvaro levou o Hollywood filtro ocre à boca, ao mesmo tempo em que fitou os longos e lisos cabelos loiros da belíssima crupiê. “Essa é Melina, meu talismã”, disse o chefe.

*Felipe Sanches é graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo, poeta, editor de livros didáticos, colaborador de publicações da Editora Gota e coidealizador da Revista Aluvião.

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