Como sentir autorrealização conciliando maternidade, carreira e todo o resto?

Foto de horizonte no mar aberto, em que a metade superior é um céu em tons rosados, típicos do crepúsculo, e a metade inferior é um mar em tons de azul, de médio para escuro.
Foto: Abdullah Ghatasheh no Pexels

por Marina Hirota*

Desde muito jovem, posso dizer que a maior motivação que emergiu de dentro de mim foi ter uma mochila sempre pronta para viajar e conhecer o mundo; ou seja, sair da minha zona de conforto constantemente pela mudança e pela troca com diferentes universos. Isso significa que, dos três pontos levantados acima – maternidade, carreira e todo o resto –, “todo o resto” foi o que mais me levou a percorrer os caminhos que trilhei até hoje, incluindo minha escolha para a carreira científica e, mais tarde, a escolha de renascer como mãe.

A ciência e a academia não foram, no entanto, minha primeira opção. Minha paixão pelo voleibol, esporte que pratiquei seriamente por muitos anos, levou-me à primeira opção do que sonhei como carreira: eu queria ser profissional e chegar à seleção brasileira de vôlei. Curiosamente, eu levava os estudos de forma igualmente séria porque sempre adorei estudar. Quando a hora de decidir o que fazer, depois do Ensino Médio, chegou, só consegui pensar que ainda não estava pronta para escolher entre o vôlei e os estudos: acabei escolhendo a Universidade, tanto pela qualidade do curso, quanto pela cidade, Campinas (SP), em que havia um timaço de voleibol. Com o tempo, percebi que levar seriamente os dois era impraticável e acabei optando por seguir o curso de matemática aplicada e continuar jogando vôlei apenas por diversão. Foi uma das decisões mais dolorosas que tive que tomar porque deixei para trás um sonho. Por outro lado, quando esse ciclo foi encerrado, novas portas e janelas foram se abrindo, e o caminho da ciência foi aparecendo lá no horizonte, devagar. Quando dei por mim, já estava abraçada, enrolada e envolvida por ele: a motivação agora era a mesma de conhecer novos universos e sair da zona de conforto, só que agora sem precisar, necessariamente, colocar o pé na estrada.

Anos depois, consegui uma posição fixa na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no departamento de Física, que abriga o curso de Meteorologia, para o qual fui contratada para ministrar disciplinas. A escolha de fixar raízes veio, em grande parte, por eu e meu atual companheiro termos escolhido viver juntos. Com essa decisão, abandonei aquele objetivo de ter uma mochila nas costas e o mundo pela frente. No entanto, essa escolha foi menos dolorosa que a primeira, descrita anteriormente, pois o trabalho ainda me permitia ter o mundo pela frente e porque Florianópolis me permitia aproveitar muitas atividades ao ar livre com uma mochila nas costas. Depois de alguns anos, o filhote nasceu, e eu renasci, como mãe. Entrei em contato com a parte mais instintiva do meu ser, um lugar que nunca achei que existisse dentro de mim. Foi o momento em que mais saí da minha zona de conforto até hoje. Por um lado, acessar esse conteúdo me fez sentir uma vulnerabilidade feroz que perdura até hoje e deve continuar ativa por um bom tempo; por outro, quando assumi o risco de seguir as ideias que se mostravam a cada momento, um boom de criatividade aconteceu. E, quando aconteceu, não foi só na maternidade, foi em “todo o resto”, incluindo a carreira. Isso fez a vida ganhar uma nova cor e um novo sabor.

A ideia de que, para me sentir viva e realizada, eu precisava estar em movimento pelo mundo ou jogando vôlei poderia trazer uma frustração imensa, pois atualmente vivo com endereço fixo, companheiro e filho, e trabalhando como cientista. Seria como pensar que não atingi os objetivos iniciais que pensei para vida. No entanto, sinto-me viva e realizada exatamente por ter conseguido encontrar e identificar, ao longo desse caminho de mudanças, o que essencialmente me motiva: o desafio de movimentar-se entre universos, de arriscar e mudar as trajetórias. É assim no trabalho interdisciplinar que desenvolvo, é assim nos diferentes caminhos que faço para ir para os mesmos lugares, é assim com as novas pessoas que encontro. Com ou sem pandemia, que venham as novas portas e janelas, e que tenhamos criatividade para aproveitá-las e desfrutá-las da melhor forma possível!

*Marina Hirota é cientista, pesquisadora, professora e mãe.

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