T. I.

Foto artística em preto e branco de telefone antigo pendurado, com a sua sombra na parte inferior da imagem.
Foto: Roman Ska no Pexels

por Felipe Sanches*

Os caixas eletrônicos tinham chegado ao Brasil havia menos de uma década quando, no início de 1992, Álvaro foi promovido a agente de caixa eletrônico no Banco da Cidade. Computadores lhe pareciam coisa de outro mundo, mas aqueles enormes e arcaicos terminais de autoatendimento, com telas pretas e caracteres verdes, não eram muito de assustar. Mais curiosas eram, sim, as diversas reações dos usuários.

Certo dia, uma usuária causou uma enorme fila ao ficar alguns minutos tentando apagar os seus dados, expostos na tela, com uma borracha. Álvaro levou alguns minutos para demovê-la da ideia, para que a fila pudesse andar. Outra vez, assim que o terminal solicitou ao usuário que ele informasse os números de agência e conta, o rapaz se abaixou, próximo ao teclado, para ficar mais próximo da tela, e começou a ditar, discretamente, os dados solicitados. Álvaro prontamente percebeu a atitude estranha e correu para orientá-lo sobre o correto uso da máquina.

Acontecia que, algumas vezes, a máquina simplesmente parava de funcionar; não por defeito técnico ou falta de energia, mas por problemas de software. Para resolvê-los, era necessário abrir um chamado para a recém-estabelecida área de Tecnologia da Informação, chefiada pela brilhante e implacável Antonieta García Fischer.

Filha de imigrantes espanhóis, lavradores no interior e, depois, feirantes na capital, Antonieta tinha se formado, com brilhantismo, na primeira turma de Ciências da Computação do IME (USP), em 1974, aos 22 anos. Na sua turma, dos 20 formandos, 14 eram mulheres[1]. Ainda na faculdade, foi trabalhar como caixa no Banco da Cidade, de onde não saiu mais. Com o seu conhecimento e a sua habilidade para resolver problemas, em cinco anos passou a supervisora. Depois de mais alguns anos, subiu a gerente de atendimento e, por fim, em meados de 1991, assumiu, aos 39 anos, a diretoria de T.I. do banco.

Sua trajetória ficou muito atrelada à implantação dos terminais de autoatendimento, iniciada em 1983. Ela participou de todo o processo, tendo feito, inclusive, um curso de capacitação para aquele tipo de sistema nos Estados Unidos, em 1981, com duração de seis meses, o que lhe garantiu a fluência na língua inglesa – ela já falava fluentemente o espanhol –, além de amplo conhecimento sobre o funcionamento daquela máquina.

Certo dia, enquanto fumava um cigarro em seu horário de almoço, Álvaro estava com o pensamento distante, divagando solitária e silenciosamente sobre a imensidão de dados que carregavam aquelas maravilhas da tecnologia e a sua insignificância, enquanto simples mortal, diante daquelas cifras e circuitos. De repente, foi interrompido por uma voz feminina, forte e, ao mesmo tempo, suave:

— Você tem fogo?

Era Antonieta, aquela figura mítica e poderosa.

— Claro.

Álvaro se aproximou e acendeu o seu Colibri of London próximo à ponta do Charm longo da chefe, no que ela sentenciou:

— Convido-o para uma reunião extraordinária em minha casa, junto aos gerentes e coordenadores de T.I., no próximo sábado, a fim de alinharmos os procedimentos em relação aos terminais. Além disso, em breve chegarão novos modelos.

Álvaro sentiu um frio na barriga, um misto de pavor e felicidade.

— Claro, estou à disposição.

Antonieta se despediu e seguiu apressada rumo às escadas da agência central.

*Felipe Sanches é pós-graduado em Cinema e linguagem audiovisual, graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo, poeta, editor de livros didáticos, colaborador de publicações da Editora Gota e coidealizador da Revista Aluvião.

[1] Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade deve ser considerada como mera coincidência. Contudo, de fato, a primeira turma de Ciências da Computação da USP tinha maioria de mulheres, fato que se modificou ao longo das décadas. Ver: SANTOS, Carolina Marins. Por que as mulheres “desapareceram” dos cursos de computação? Jornal da USP, 7 mar. 2018. Disponível em: https://jornal.usp.br/universidade/por-que-as-mulheres-desapareceram-dos-cursos-de-computacao. Acesso em: 28 jul. 2021.

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