Dia qualquer

por Felipe Sanches


Hoje é o dia da virada! – pensou Álvaro, naquela manhã ensolarada de julho. Do nono andar, às nove horas, pela janela da unidade 94 do Condomínio Edifício Pérola adentrava o quarto e sala da Rua General Jardim, 144, a fumaça que partia do apartamento de baixo, o 84, onde morava Melina. Ela fumava o primeiro dos muitos Benson & Hedges mentolados que havia de saborear ao longo daquele dia 19. Naquele momento, a temperatura atmosférica na capital paulista era de 22 graus célsius.
Álvaro já sabia o horário, a temperatura, de onde vinha a fumaça, a marca do cigarro. Do seu relógio e termômetro de parede – uma só peça, em que em cima ficava o relógio e embaixo, o termômetro, também redondo e de ponteiro, dispostos na vertical e emoldurados por uma estrutura de ferro fundido estilo arabesco; presente de família, só não sabia exatamente de qual parente – absorvia as informações em algarismos romanos e em graus fahrenheits com uma naturalidade quase automática, impressionante para quem havia acabado de acordar. Pudera, já eram 12 anos de manhãs, curando e aperfeiçoando o mesmo ritual.
Alheio a tudo o que se configura como rotina, mas, ao mesmo tempo, reproduzindo, como uma lei pétrea, ipsis litteris, a completa sequência de movimentos matinais corriqueiros – a saber: chinelos, lençóis esticados, rádio de pilha ligado, tampa do vaso levantada, pente de mão, café, pão seco, Hollywood filtro ocre, chuveiro, dentes frescos, navalha e espuma, cueca estilo sunga, calça social, cinto e sapato, meias pretas e camisa branca, paletó, pente novamente, colônia, chave na porta… –, de repente lembrou-se e lamentou: era sábado.

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