O nada

Horizonte no mar com o dia cinzento
Imagem: Foto de Matus Hatala na Unsplash

 

por Sarita Borelli* e Felipe Sanches**

Certa vez, Antônio Abujamra (1932-2015), na abertura do seu programa “Provocações[1]”, exibido originalmente na TV Cultura de São Paulo em 28 de fevereiro de 2012, citando Manoel de Barros (1916-2014), disse: “Sobre o nada, eu tenho profundidades[2]”. Em outros momentos, indagava o interlocutor: “O que você acha que vai encontrar ao morrer além de um enorme e silencioso nada?”. O nada, isto de intangível, de oco, de nulo é tema deste número, assim como o insustentável.

Aluvião 9 celebra a solidez e a solitude do que parece insustentável. A efemeridade da existência humana; a vontade das pessoas ou de um povo, como pilar de sua soberania; o tempo, implacável; as marcas do que não foi dito; o peso e a opressão das tradições e das armas, a quem as professa ou não.

Foram-se Antônio e Manoel, e Kundera (1929-2023), que também já se foi, trouxe-nos o preço da soberania intelectual, os dois lados da liberdade e, talvez, a leveza do amor.

O mote de sua obra inspirou os autores deste número a versarem sobre as relações entre o corpo e a escrita, a refletirem sobre o nada, a suspeitarem da própria admiração, a buscarem formas de leveza, a comunicarem as opressões, a narrarem sobre a individualidade e a poetarem sobre o tempo e a maternidade. 

Em um ano em que pudemos respirar aliviados, como se estivéssemos prendendo a respiração há tanto tempo, sentimos a insustentável leveza. Ter de recomeçar, reconstruir e verificar o que tinha sobrado, as relações que ainda restavam e lidar, às vezes, com o peso do nada. 

Este ano de recomeços, como o eterno retorno, trouxe também a dúvida sobre o que virá. O que será possível fazer com o que temos, quantas chagas serão possíveis sanar?

Olhamos o entorno buscando respostas, olhamos para o outro buscando respostas, mas a Aluvião 9 propõe um mergulho em si. Quem sabe elas estejam aí dentro?

*Sarita Borelli é pós-graduada em Design Editorial pelo Senac, graduada em Letras pela Universidade de São Paulo, designer, editora responsável pela Editora Gota e idealizadora da Revista Aluvião.

**Felipe Sanches é pós-graduado em Cinema e linguagem audiovisual, graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo, poeta, editor de livros didáticos, colaborador de publicações da Editora Gota e coidealizador da Revista Aluvião.


[1]Ver trecho em https://www.youtube.com/watch?v=kK4kdFMJcrI. Acesso em: 19 dez. 2023.

[2]BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2013. p. 374.

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