por José Eduardo de Oliveira Evangelista Lanuti* e Martinha Clarete Dutra dos Santos**
Considerando que a Base Nacional Comum Curricular – BNCC – induz o processo de formação docente, de elaboração do projeto político pedagógico e do currículo e orienta a definição das estratégias pedagógicas e das práticas avaliativas, valem as perguntas: como a inclusão escolar nela se expressa? Qual o conceito de diferença e inclusão utilizado nesse documento?
A resposta a essas indagações é essencial para a compreensão dos princípios e diretrizes que orientam a concepção e gestão de uma escola. Ao instituir a “diferenciação curricular” (BRASIL, 2017, p. 11), a BNCC distancia-se do conceito de diferença como um direito basilar de uma escola de todos e institui a discriminação com base na condição de deficiência, o que é crime, conforme estabelece o Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015). Será que os promotores da BNCC ainda não entenderam a diferença entre segregar e incluir, entre trabalhar com a diferença de alguns alunos – os tidos como diferentes – e com a singularidade humana?
Conceitualmente, a diferença refuta qualquer tipo de modelo, linearidade ou regra rígida, calcada em semelhanças e identidades pré-fixadas, por ser da ordem do devir, das potências afirmativas, daquilo que não pode ser apreendido pela representação.
Nessa perspectiva, a BNCC reforça modelos curriculares e práticas pedagógicas que identificam e tratam indivíduos e grupos como diferenciados e reforçam discursos e categorias que reproduzem processos de seleção, enquadramento e exclusão. Essas práticas se refletem na organização de turmas especiais, por rendimento escolar e outras formas de segregação, baseadas na condição física, sensorial, intelectual, social, cultural, dentre outras, impedindo a superação de toda e qualquer forma de discriminação no ambiente escolar.
A inclusão escolar não pode se restringir à produção de materiais didáticos específicos ou a determinadas estratégias de ensino, uma vez que pressupõe mudanças de concepção da escola e, portanto, profundas alterações curriculares, visando a garantia do direito de todos à educação. É absurdo pensar que um currículo, entendido em seu sentido pleno como o conjunto de atividades a serem desenvolvidas na escola, deve ser adaptado para promover a inclusão. Aquilo que precisa ser adaptado não fora elaborado para todos.
Nos últimos anos, houve uma superação da ideia de identidade como uma categoria fixa que forma um idêntico e da diferença como sinônimo de diferente, numa conotação negativa das categorias identitárias. Originou-se, diante disso, importante agenda política voltada ao enfrentamento das várias formas de discriminação e exclusão escolar de pessoas com deficiência, negros(as), populações do campo, das águas e das florestas, povos indígenas, jovens, adultos e idosos não alfabetizados ou com baixa escolaridade, estudantes em situação de vulnerabilidade social, adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas. Seria a BNCC um instrumento útil para estancar esse processo de tensão e problematização gerado no interior de uma escola que responde afirmativamente à diversidade humana, política, social e cultural, promovendo a valorização das diferenças?
Certo é que a BNCC estabelece parâmetros que regulam as práticas pedagógicas e avaliativas (com o propósito de igualar estudantes), regulam os novos referenciais e espaços de construção de políticas educacionais inclusivas. Propõem a chamada gestão controlada da diversidade, com suas formas de adaptação, normalização, assimilação, entre outras que seguem a lógica da homogeneização do ensino e da aprendizagem. Diante desse tenebroso cenário de retrocessos educacionais, políticos e pedagógicos, faz-se necessário reunir esforços para assegurar o princípio constitucional a uma educação inclusiva, de qualidade socialmente referenciada.
Uma escola de todos é aquela que baseia o planejamento das suas ações no inusitado, na incerteza, na impossibilidade de definir quem ou o que o outro é e, portanto, não trabalha em função de um modelo preconcebido de aluno. A escola, em vez de dedicar-se à especialização do ensino para cada um dos grupos que ela mesma produziu, deveria direcionar as suas ações a partir do entendimento de que a inclusão não tem a ver com distinção.
Assim, cabe à escola lançar mão de sua autonomia e atuar no sentido de se afirmar como um espaço de efetivação e promoção dos direitos humanos, capaz de formar cidadãos e cidadãs, agentes de transformação social e construtores permanentes da democracia.
*José Eduardo de Oliveira Evangelista Lanuti é doutorando pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED).
**Martinha Clarete Dutra dos Santos é doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED).
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em: <https://avaliacaoeducacional.files.wordpress.com/2017/04/base0416terceiraversao.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2018
Bibliografia consultada
BRASIL. Lei 13.146/2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 25 mai. 2018