Relato de uma mulher-mãe-cientista

Foto em close de uma mulher adulta, com unhas pintadas de preto, segurando os pequenos pés de uma criança recém-nascida.
Foto: Alex Pasarelu em Unsplash

por Paula dos Reis Oliveira*

Batimento cardíaco acelerado, agitação, falta de apetite, crises de choro e enxaqueca. Esses foram os sintomas da crise de ansiedade no meu segundo ano de doutoramento. Assim como eu, muitos colegas acadêmicos sentem na pele a ansiedade e a depressão, já que a incidência desse tipo de distúrbio psiquiátrico pode ser 20 % maior na comunidade acadêmica (Schindler, et al. 2006). Os desafios de um projeto de doutoramento somado a desafios pessoas criaram esse cenário de ansiedade. Viver um país estrangeiro (mesmo sendo um dos países mais desenvolvidos do mundo), ter dificuldade de comunicação (inglês macarrônico), ter largado “tudo” no Brasil (trabalho estável, família e casa), trazer o companheiro comigo por um sonho maluco de doutorado e ser a única aluna tropical exótica do grupo de pesquisa foram os meus maiores desafios. Hoje, aprendi a identificar os sinais da ansiedade “que não serve pra nada”. Entendo o que ela resulta no meu corpo, na minha mente e no meu relacionamento, e aprendi que fazer exercício físico, planejamento do trabalho (muitos créditos ao meu companheiro nesse quesito) e meditação, que me ajudam a controlar essa ansiedade.

Os dois últimos anos do doutorado foram bem, e consegui defender a tese com sorriso no rosto e uma barriga de seis meses de gravidez.  Como diz o ditado; “depois da tempestade, vem a bonança”. Não foi nada fácil, mas os sonhos (acredito que ainda é e sempre será possível sonhar) se tornaram realidade! Mas é claro que os desafios não acabaram! Voltamos pro Brasil, grávida de sete meses, sem emprego e nem dinheiro no bolso. Na minha última consulta de pré-natal, a parteira holandesa pegou na minha mão, olhou nos meus olhos e disse: “você é capaz de ter um parto humanizado, confie!”. Claro que ela se referia ao medo que eu poderia estar sentindo de parir no país com um dos maiores índices de cesárea do mundo (Rudey et al., 2020). Mas, entre médicos(as) que me assombravam com os dramas do parto e parteiras que suportavam a minha capacidade natural de parir, eu dei a luz a um menino, que cheirava a mel, na casa Angela (casa de parto humanizado em São Paulo – Viva o SUS!), da forma mais digna e amorosa que eu (nem) podia imaginar.

Lá, o pré-natal e o pós-parto foram recheados de palestras com referências científicas, e com um grupo de WhatsApp chamado Marie Curie! Aqui, a mulher-mãe-cientista se cruzaram, as contrações só iniciaram na noite depois de eu ter enviado os documentos para a candidatura de uma bolsa de pós-doc, da mesma forma que eu só consegui engravidar depois de entregar o último capítulo da tese para revisão. E, entre choros de bebê e noites mal-dormidas, típicos em uma família com um recém-nascido, recebi a notícia de ter sido selecionada para uma entrevista sobre a bolsa de pós-doc. Dias depois da entrevista, recebi a notícia de que eu, a recém-mãe, havia sido selecionada – apesar de nunca ter mencionado a minha maternidade, por ter convicção da minha capacidade profissional, independentemente da minha opção pessoal pela maternidade e família. A pandemia de COVID-19 começou nessa mesma época. E, em meio a máscara e isolamento social, iniciei o meu primeiro pós-doc.

Claro que a mãe de um bebê, numa cidade longe da família e num contexto de isolamento social, tem que rebolar muito para trabalhar fora. E assim se resume a minha vida: tenho um cronograma apertado! Nas horas diárias que meu filho tem cuidado exclusivo do pai, tenho que correr para garantir o desenvolvimento das atividades profissionais do dia, sem parada pro cafezinho, sem conversas pelo corredor, sem saídas pra comprar o docinho (apesar de eu gostar e valorizar esses momentos de confraternização e descontração). Eu sou a membra do grupo de pesquisa que “tem que sair ao meio-dia em ponto”, “tem 1h para a reunião virtual, sem 5 minutinhos a mais”, “tem que planejar com antecedência”, “não pode deixar pra depois”, “que diz: vocês vão dar conta sem mim”. Isso pode parecer rude ou egoísta para alguns, mas tem sido a única forma que eu consigo fazer com que as coisas não pereçam. E, sinceramente, as limitações que o “eu mãe” impõe têm sido um baita aprendizado para a cientista que mora dentro de mim. Do meu ponto de vista, mais a ciência vai avançar quando houver mais mulheres-mães-cientistas.

Referências

Schindler, et al. 2006. The Impact of the Changing Health Care Environment on the Health and Well-Being of Faculty at Four Medical Schools.

Rudey et al., 2020. Cesarean section rates in Brazil. Trend analysis using the Robson classification system.

*Paula dos Reis Oliveira é mãe do Iberê e pós-doc em Ecologia.

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