Você é multidisciplinar?

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por Roberto Lopes*


As pessoas mudam, portanto, o mundo muda, e não o contrário. E o mundo melhorou muito, apesar do que dizem. Hoje, é mais provável morrer se empanturrando que de fome1. Assim como é mais provável morrer em paz num hospital que nos destroços de uma guerra2. A expectativa de vida dos seres humanos também vem aumentando consideravelmente3.

As pessoas sempre mudaram, portanto o mundo sempre mudou e ele parece estar mudando sempre mais e mais rápido porque agora é possível saber de quase todas as mudanças que estão ocorrendo a 20 mil quilômetros de você4. Para Zygmunt Bauman (1925-2017), saudoso filósofo polonês, o mundo contemporâneo é líquido, ele se esparrama como um fluido na mesma velocidade que dilui certezas, crenças e práticas5. E a contemporaneidade quem faz somos nós, portanto, nós somos líquidos, ou estamos líquidos.

Mudar pode significar acrescentar. Além do que se sabe, é essencial saber do resto. Imagine que tudo que se pode saber é um espaço tridimensional aparentemente infinito e tudo que sabemos é uma esfera maciça dentro dele. Na barreira entre a superfície da esfera e esse espaço, temos contato com o que não sabemos e frequentemente, semelhante à fagocitose6, tornamos o desconhecido conhecido e aumentamos o volume da esfera. Ao fazer esse movimento, percebemos que a superfície da esfera aumenta criando uma área de contato maior com o que não sabemos. Assim, quanto mais sabemos descobrimos que menos sabemos, é a douta ignorância do teólogo germânico7 Nicolau de Cusa (1401-1464), que viveu no século 158. Portanto, aumentamos o nosso conhecimento para ficarmos cada vez com mais dúvidas.

Para Peter Berger (1929-), sociólogo austríaco, é necessário abraçar a dúvida para se ter convicções sem se tornar um fanático9. O fanatismo é radical e o radicalismo é inconsciente. A inconsciência não traz dúvidas, então é sempre melhor aumentar o conhecimento para não se tornar um radical. O saber traz consciência e ser consciente é a base da cidadania, um dos pilares da democracia, método de governar que mais ameniza as contradições existentes entre liberdade e igualdade. Liberdade e igualdade mudam o mundo e o mundo melhorou muito, apesar do que dizem.

*Roberto Lopes é graduado em matemática e editor de livros didáticos. E-mail: betovisk85@gmail.com

  1. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). The double burden of malnutrition. Disponível em: www.who.int/nutrition/double-burden-malnutrition/doubleburdenmalnutrition_infographic.png?ua=1. Acesso em: mai. 2017.
  2. OUR WORLD IN DATA. The Visual History of Decreasing War and Violence. Disponível em: https://ourworldindata.org/slides/war-and-violence/#/title-slide. Acesso em: mai. 2017.
  3. WORLD BANK. Life expectancy at birth, total (years). Disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/SP.DYN.LE00.IN. Acesso em: mai. 2017.
  4. A Terra é aproximadamente uma esfera, como uma laranja. Toda esfera tem círculos máximos, corte a laranja ao meio e repare no círculo formado pela superfície de uma das metades, ele é um círculo máximo. A linha em volta de um círculo máximo é uma circunferência máxima, repare novamente no círculo da metade da laranja, mas agora na casca em volta dele, ela é uma circunferência máxima. Experimente não cortar a laranja ao meio e sim mais próximo às extremidades. Note que os círculos e, consequentemente, as circunferências serão, respectivamente, menores que o círculo máximo e a circunferência máxima. Note também que é possível fazer inúmeros círculos máximos e inúmeras circunferências máximas, a única condição é dividir a laranja em duas metades iguais. As circunferências máximas da Terra têm um comprimento de aproximadamente 40 mil quilômetros, portanto a maior distância que se pode estar de algo ou alguém é aproximadamente 20 mil quilômetros, ou seja, metade de 40 mil quilômetros. Esse é o cálculo se considerarmos as tecnologias atuais que usamos para percorrer grandes distâncias, as viagens são feitas sobre a superfície da Terra. Se os transportes subterrâneos atravessassem o núcleo da Terra, ao invés de 20 mil quilômetros, o número citado seria 13 mil quilômetros porque este é o diâmetro da Terra e seria a maior distância que se poderia estar de algo ou alguém. Não confunda comprimento da circunferência com o seu diâmetro, são coisas completamente diferentes. É por isso que os números destoam tanto, 20 mil é quase o dobro de 13 mil.
  5. Zygmunt Bauman – Fronteiras do Pensamento. (30min 25s). Disponível em: https://youtu.be/POZcBNo-D4A. Acesso em: mai. 2017.
  6. WIKIPÉDIA. Fagocitose. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fagocitose. Acesso em: mai. 2017.
  7. Do ponto de vista histórico, faz mais sentido chamar Nicolau de Cusa de germânico e não de alemão. Usando um exemplo mais famoso, faz mais sentido chamar Leonardo da Vinci de itálico e não de italiano. A unificação italiana (ou itálica?) ocorreu em 1861 e a unificação alemã (ou germânica?), em 1871. A partir desses anos, os gentílicos italiano e alemão começam a fazer sentido e fazem sentido até hoje. Vale lembrar que de 1949 a 1990 o gentílico alemão se tornou impreciso, assim como o atual gentílico coreano, era preciso especificar entre alemão oriental ou alemão ocidental, caso contrário, geraria confusão, ou mortes.
  8. Não usar algarismos romanos para designar séculos é uma transgressão linguística. Ver: CIBERDÚVIDAS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Séculos. Números romanos. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/seculos-numeros-romanos/12370. Acesso em: mai. 2017.
  9. SKOOB. Em favor da dúvida. Disponível em: https://www.skoob.com.br/em-favor-da-duvida-239502ed267986.html. Acesso em: mai. 2017.

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