A crise Amazônica

Fotografia da vista de cima de copas de árvore com uma clareira no meio.
Foto: by Lucian Dachman on Unsplash

por Demétrius Lira Martins*

A região amazônica passa atualmente por uma distopia, pois sofre com o flagelo de uma pandemia enquanto é vorazmente consumida pelo desmatamento. Enquanto pesquisas demonstram que a emissão de gases do efeito estufa tem diminuído desde o início desta pandemia, o ritmo do desmatamento tem aumentado na floresta Amazônica, pois os desmatadores não entram em quarentena. De acordo com dados recentes do sistema DETER do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a perda de floresta no ano de 2020, até o momento, tem sido maior do que no mesmo período do ano anterior. Para piorar o quadro, o aumento nessa taxa ocorreu durante a época chuvosa, quando o desmatamento é menor. Por isso, a projeção para a taxa de perda de floresta na época seca (maio-novembro) não é nada animadora. 

O descaso com o desmatamento tem ganhado força durante o governo atual, que apresenta como ministro da pasta ambiental o próprio arauto do antiambientalismo. Até o presente, Ricardo Salles, ministro responsável pela pasta do governo que zela por assuntos ambientais, teve ações que resultaram no desmonte da pauta ambiental, não apenas na Amazônia, mas em todo o país. Um exemplo recente foi a extinção de 11 coordenações regionais do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), responsável pela gestão e pela fiscalização das unidades de conservação federais, órgão subordinado ao MMA (Ministério do Meio Ambiente). No lugar, foram criadas apenas cinco gerências regionais, sendo a maioria destas comandadas por militares. A Amazônia, que antes possuía cinco coordenações para gerenciar a maior floresta tropical do mundo, com 130 unidades de conservação federais, agora possui apenas uma gerência. Ademais, o ministro recentemente fez colocações chocantes em uma reunião interministerial. Sugeriu que o governo deveria tirar proveito da morte de milhares de brasileiros, em consequência da pior crise de saúde pública que este país já enfrentou, para ”passar uma boiada” e destravar inúmeras leis ambientais. Esse ministro demonstra não apenas um descaso com o meio ambiente, ao atentar contra seu próprio ministério, mas também com os seres humanos. 

Não apenas a floresta tem sofrido com o avanço do desmatamento, mas seus defensores passam pelo mesmo. A ONG britânica Global Witness aponta o Brasil como o país mais letal para ativistas ambientais. Essa colocação, apesar de chocante, não é surpreendente devido ao alto número de ativistas mortos em conflitos com grileiros e madeireiros, como no caso de um dos Guardiões da Floresta, Paulo Paulino Guajajara, morto em uma emboscada. Infelizmente, esses conflitos não parecem ter solução, ao menos enquanto não houver uma troca de governo, uma vez que o governo atual se coloca contra a demarcação de terras indígenas. O conflito de grileiros e madeireiros com indígenas se dá principalmente pela posse da terra e, por isso também, tem consequências negativas no controle do desmatamento. Pesquisas têm demonstrado que terras indígenas são as áreas mais bem protegidas na Amazônia. Assim, podemos chegar à simples conclusão de que qualquer plano que envolva a proteção das florestas terá as comunidades indígenas como elementos centrais. Ademais, o descaso do poder público para com os protetores da floresta não ocorre apenas na instância federal, e o caso absurdo da prisão de brigadistas de incêndio de Alter do Chão (PA) por suspeita de atearem fogo na floresta que protegem é exemplo disso.

A Amazônia tem sofrido com a indiferença de governos federais anteriores. A exemplo disso, está a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), que acelerou durante os governos do PT (Partido dos Trabalhadores). Essa megaobra agregou não apenas um vasto impacto ambiental, mas também um impacto social, deslocando comunidades locais, estimulando o tráfico de mulheres e meninas para prostituição e ainda elevando os índices de criminalidade em Altamira, tornando-a a cidade mais violenta da Amazônia. No entanto, esse é um problema mais localizado, mas os impactos da Covid-19 na região expõem a precariedade do sistema de saúde nos estados amazônicos, que apresentam as piores relações de leitos de UTI e médicos por habitante, o que é resultado da soma entre o descaso de governos prévios e a falta de preparo dos governos atuais. Além disso, pesquisa recente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) indica que o percentual da população infectada pelo vírus Sars-Cov-2 é maior no Norte do país. Esses valores ultrapassam os percentuais das regiões Sudeste e Sul. Infelizmente, a situação ainda é mais grave para as populações indígenas, que apresentam uma média de prevalência da doença quase duas vezes maior do que a média nacional. 

A crise doméstica brasileira anestesiou uma coordenação efetiva para lidar com a disseminação da Covid-19, o que resultou na escalada de um cenário mórbido onde o sucesso reprodutivo de um agente microscópico não vivo, um vírus, se faz a partir da perda de vidas humanas. Os cientistas têm feito previsões de cenários futuros para as crises de saúde pública e ambiental e estas são todas desoladoras, infelizmente. Precisamos agir para conseguir conter esses problemas; no entanto, neste momento, a indiferença das autoridades máximas do país é desesperadora. Quantas vidas humanas e quantos hectares de floresta ainda serão perdidos para que a indiferença se converta em cuidado? 

*Demétrius Lira Martins é mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e doutor em Ciências da Vida pela Imperial College London, com dez anos de experiência na Amazônia. Atualmente, é pesquisador na UNICAMP.

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