A reforma do Ensino Médio em pauta

por Eduardo Guimarães*


A legitimidade de uma política pública em um regime democrático é diretamente proporcional ao grau de participação da sociedade civil. Apesar de nossa experiência democrática estar longe de uma atuação direta dos cidadãos nas decisões políticas, ainda sim a nossa Constituição prevê mecanismos que tornam imprescindível a atuação de diferentes atores sociais e políticos.

A construção de políticas públicas educacionais está submetida a essa lógica. O grau de participação da sociedade civil nas discussões e debates em torno da elaboração de práticas e de documentos educacionais é de fundamental importância para avaliarmos a legitimidade política dessa elaboração. Essa situação é mais verdadeira se nos referimos à participação daqueles que estão diretamente envolvidos no processo educacional, como os professores, outros profissionais da educação e pesquisadores da área.

Antes de nos dedicarmos à análise da construção social e política da Medida Provisória nº 746 de 2016, conhecida por Reforma do Ensino Médio, cumpre sublinhar que a análise política da construção social de uma política pública não nos isenta de realizarmos uma análise interna da própria política pública e de avaliar seus impactos sociais. É preciso fazer a análise da elaboração de uma política pública, revelando sua legitimidade política, mas também é preciso realizar uma análise de seus objetivos e de seus possíveis efeitos. Neste artigo, estamos preocupados somente com a primeira análise.

O debate público a respeito do Ensino Médio vem ocorrendo há alguns anos. O próprio Portal do MEC, ao apresentar alguns esclarecimentos sobre a Reforma do Ensino Médio, retoma o ano de 1998 como o início de um amplo debate a respeito desse segmento da Educação Básica. Em diversos momentos, a sociedade civil foi convidada a participar desse debate. No entanto, em 23 de setembro de 2016, o então presidente Michel Temer lançou a Medida Provisória nº 746. O texto inicial sofreu modificações pelo Congresso Nacional, e sua versão final foi enviada para sanção presidencial em 13 de fevereiro de 2017.

Com essa medida, o presidente Temer interrompeu um longo e frutífero processo democrático de elaboração de uma política pública educacional. Não estamos discutindo se a Reforma do Ensino Médio pode ser avaliada positivamente do ponto de vista educacional. Estamos, sim, avaliando de que modo uma atitude oportunista pode prejudicar a legitimidade democrática de uma política pública.

A maior parte da mídia tem adotado a visão veiculada pelo discurso pronunciado pelo presidente Temer para julgar o fato de a Reforma do Ensino Médio ter sido feita por meio de uma Medida Provisória. Argumenta-se que a urgência de uma reforma educacional no Ensino Médio exigiu uma medida também urgente, uma medida que resolvesse de uma vez por todas as mazelas que pululam nesse segmento da Educação Básica.

Nenhuma reforma educacional séria, entretanto, ocorre da noite para o dia. Exige anos de debate, de envolvimento da sociedade civil. Esse processo é fundamental para trazer legitimidade política ao seu conteúdo, mesmo que posteriormente o conteúdo dessa reforma seja questionado e precise ser alterado. Dizer que a Reforma do Ensino Médio é uma medida necessária para resolver um problema urgente, que a atitude emergencial do governo foi corajosa se comparada às supostas atitudes covardes de governos anteriores, é apenas um meio de justificar uma atitude desesperada de um governo despreparado, de convencer a sociedade civil da legitimidade de uma política pública que ela mesma não pode continuar debatendo.

Ao interromper um processo democrático de elaboração de política educacional, o governo visivelmente excluiu a participação da sociedade civil em um dos temas mais delicados de nosso país: a educação. Como será possível criar um projeto, por menor que seja, se o próprio governo não permite a consolidação de um debate que vinha ocorrendo de modo satisfatório e, certamente, democrático? Deixo a pergunta em aberto.

*Eduardo Guimarães é historiador, filósofo, escritor e editor. E-mail: guimas.eduardo@gmail.com

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