Tempos sombrios

Fotografia em preto e branco de parte de um muro em primeiro plano e uma floresta em segundo plano. No muro, foi pintado como grafite um personagem no estilo do Charlie Chaplin com smoking e segurando um guarda-chuva no alto da cabeça para se proteger de três mísseis que caem do céu, também pintados como grafite.

por Karina Sávio*


Como nos dizia Brecht, vivemos em tempos sombrios. E me pergunto se após a Segunda Guerra deixamos de vivê-los em algum momento. No entanto, há épocas em que as coisas nos parecem mais agudas e desesperadoras que antes. Para mim, e acredito que para a maioria de nós, este é o caso.

O que dizer de tempos em que a democracia nos é tirada por engenhosas (será?) manobras jurídico-midiáticas, em que torturadores são elogiados em cadeia nacional e em que a defesa dos direitos básicos e das minorias é considerada reclamação? O que dizer de tempos em que maior potência econômica do mundo elege seu presidente um narcisista ultraconservador com sérias questões megalomaníacas? E o que dizer da Europa, que, com o aumento de imigração, vê crescer mais uma vez, embora nunca tenha deixado de existir, a xenofobia e o ódio à diferença, com medidas governamentais de confinamento de imigrantes em áreas de contêiner, como as adotadas pela Hungria, por exemplo?

As políticas conservadoras sempre têm em sua origem momentos de crise do sistema capitalista, como pode ser observado na história mundial recente. O engraçado é que políticas de desregulamentação, privatização e legislação antissindicalista são sempre anunciadas como modernas, como salvadoras da economia, quando nada mais são que um retorno ao passado travestido de revolução. Elas advêm da tentativa de frear a interferência crescente do Estado, principalmente no que concerne ao social, justificando economicamente a exclusão, como se fosse possível tratar vidas como questões econômicas, entregando-as ao laissez-faire, num retorno ao darwinismo social.

Com um cenário de alta concentração econômica como o atual, é de espantar que tais políticas tenham apoio dentro da sociedade, inclusive por parte das classes populares. Numa ressuscitação do malthusianismo, vê-se a pobreza não como produto da expropriação e da exploração capitalistas, mas como decorrente de uma falsa lei da natureza, em que os pobres são responsabilizados por sua condição. Daí decorrem a supressão das leis trabalhistas, a adoção de leis que maximizam os lucros e apenas beneficiam os empresários, a diminuição dos impostos sobre a camada mais rica da população e cortes importantes em saúde e educação, bem como a demonização dos direitos humanos.

E como resultado dessa política o que já se pode ver no horizonte é o aumento da miséria e da marginalização e o crescente índice de desemprego. Tentam nos convencer do contrário, de que a adoção do neoliberalismo é a última tábua de salvação para o país, quando sabemos, pela mobilização da memória e da história, sempre elas a nos salvar, que não é bem assim.

Desculpem-me os leitores, diante desse cenário, não consigo ver nada além de pessimismo e retrocesso nos próximos 20 ou 30 anos, pelo menos. Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

*Karina Sávio é historiadora, editora e especialista em comunicação digital.

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