Carne e osso

Imagem de Ricardo Boechat
Rafamaxpires [CC BY-SA 3.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)]

 

por Felipe Sanches*


Ricardo Eugênio Boechat (1952-2019) não foi o melhor jornalista brasileiro de todos os tempos. Nem jornalista de formação, nem brasileiro[1], muito menos o melhor, até porque, embora as condecorações recebidas atestem sua competência, o juízo de valor melhor é muito pouco preciso como critério de avaliação dos profissionais de uma área tão complexa.

Boechat também não deu todos os furos[2] que poderia. Em 6 de dezembro de 1997 foi informado por uma fonte confiável que Xuxa Meneghel estava grávida. Contudo, o jornalista estava com viagem marcada para Angra dos Reis (RJ), onde descansaria naquele fim de semana. Se negou a dar a notícia e perdeu o furo. No dia seguinte, Xuxa foi ao Domingão do Faustão e revelou a retumbante notícia ao vivo, em cadeia nacional de TV.

Não foi âncora de rádio e televisão por muito tempo, dado seu tardio ingresso em outras mídias que não a impressa – à qual dedicou dois terços de sua carreira. E, mesmo nos jornais, não se destacou como grande repórter. Muito pelo contrário, assinava uma coluna social; patrimônio herdado do padrinho Ibrahim Sued[3] (1924-1995).

Transitou, por muito tempo, entre O Globo e TV Globo. Nesta última, não foi cronista e comentarista político dos programas jornalísticos mais importantes. Atuou, mais notadamente, no matutino Bom Dia Brasil e no noturno Jornal da Globo. E foi demitido do conglomerado dos Marinho sob suspeita de má conduta jornalística[4].

Não era de esquerda, nem de direita, nem de centro. Não era apolítico, nem alienado. Era, sim, por vezes rude e tosco[5], como uma metralhadora mal regulada. Não era aristocrata, nem populista. Não era pobre, nem de classe média, nem, propriamente, rico. Era Flamengo, mas não desprezava as demais torcidas. E não se furtava em criticar a equipe do coração, como fez em seu último comentário[6], sobre a tragédia no ninho do urubu.

Não detinha a maior audiência. Era um âncora de rádio que mais comentava do que comandava a jornada. Em São Paulo, sua participação na Band News FM, emissora de notícias que pode ser considerada novata no dial paulistano, era de menos de duas horas por dia. No Rio, permanecia no ar por mais uma hora, e era só. Não ostentava a voz mais aveludada, nem desenvolvia a melhor dicção do rádio. Nem sempre era gentil com os colegas de trabalho[7].

Não era fabricado, não usava máscara, não anunciava no Twitter a gravata que ia vestir durante a apresentação do jornal – não participava de redes sociais. Não se pautava na mentira e nem a propagava. No máximo, como solicita o ofício, se valia de alguma para encontrar seu ganha pão, a notícia. Nunca quis sê-la, aliás.

Era um ser humano admirável[8]. E vai fazer muita falta.

*Felipe Sanches é graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo, poeta, editor de livros didáticos, colaborador de publicações da Editora Gota e coidealizador da Revista Aluvião.

[1] Nasceu em Buenos Aires (Argentina).

[2] Jargão jornalístico para notícia em primeira mão.

[3] Jornalista e colunista social brasileiro; famoso nas décadas de 1970 e 1980. Também apresentou programas de TV.

[4] Ver mais em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/memoria/ricardo-boechat-e-os-sentidos-da-noticia>. Acesso em: abr. 2019.

[5] Ver mais em: <www.revistaforum.com.br/boechat-e-criticado-depois-de-sugerir-que-dilma-faria-visita-intima-a-lula>. Acesso em: abr. 2019.

[6] Ver o vídeo na íntegra em: <https://bandnewstv.band.uol.com.br/videos/16609281/ultimo-comentario-de-boechat-foi-sobre-tragedias-recentes>. Acesso em: abr. 2019.

[7] Ver mais em: <https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/08/boechat-perde-a-paciencia-e-tem-ataque-de-furia-em-programa-de-radio.htm>. Acesso em: abr. 2019.

[8] Ver mais em: <https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2019/02/17/corinthians-homenageia-boechat-e-vitimas-de-brumadinho-e-ninho-do-urubu.htm>. Acesso em: abr. 2019.

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