Energias sexuais e o direito a uma vida sem sofrimentos

Imagem de um globo com raios azuis e vermelhos.
Foto: ©Bas Emmen on Unsplash

 

por Eduardo Bonzatto*


Nesse tempo das impermanências, o sexo é um protocolo de isolamento e utilitarismo. Mecanismos como o Tinder confirmam o que Zygmunt Bauman (1925-2017) chamou de amor líquido. Relações passageiras ou permanências de dor, posse, objetificação, tolerância e um cardápio variado de sofrimento patrocinado pelo egocentrismo e pelo apego.

No entanto, o orgasmo libera uma das energias fundantes da vida, a energia genésica ou orgônica. E a despeito disso, a interferência do egoísmo é capaz não só de anular os benefícios dessa energia primordial, mas de transmutá-la em energias densas que nutrem ainda mais o pavor da desigualdade.

A desigualdade é responsável pelo acúmulo das energias densas que danificam a conexão. A conexão emana das energias leves cuja disponibilidade favorece a experiência de humanização e elo entre toda forma de vida.

A energia sexual pode ser emanada também de forma leve e generosa, desde que aquele que a emana tenha postura política diante das naturalizações do individualismo. Quando digo política, quero dizer intencional. É um caminho que se escolhe percorrer e que confronta tais naturalizações. O caminho do servir incondicional.

Não acontece por acaso. Para isso, é preciso reconhecer que o sexo pode ser tramado fora das armaduras morais em que foi confinado.

Da mesma forma que o ato de comer, de cagar, de mijar, de dormir, o orgasmo é, antes de tudo, uma necessidade biológica. Os enfeites e cosméticos que as sociedades o adornaram precisa ser retirado do seu fazer. E esse é um caminho de descolonização do sexo.

Sua primeira descolonização é sua prática cotidiana, ainda que solitária. Nesse sentido, e aqui a colonização fez seu mais danoso efeito, ligou a masturbação às redes virtuais de pornografia. Ora, a pornografia engessa a prática de homenagens a Onã. Anula o grande benefício que a masturbação pode provocar no acionamento e acoplamento da imaginação. A imaginação é um dispositivo fantástico a disposição da humanização. Einstein dizia que sinal de inteligência não é conhecimento, é imaginação.

Imaginação é habitar os horizontes polimórficos, as fronteiras fluidas dos territórios inexplorados. Ativar essas regiões é abrir-se para universos inteiros e fantásticos onde ninguém jamais esteve. E quanto mais avançamos sobre a imaginação, como quem tira terra de buracos, mais maravilhas saem dali.

E a masturbação é a chave de acesso a esses universos todos. Com a imaginação vem a criatividade, a serendipidade, a autonomia, a complexidade, a simplicidade. Enfim, tudo que necessitamos para viver em alegria e felicidade constantemente, requisitos de uma vida boa.

A prática diária da masturbação com esse propósito é capaz de fazer emanar a energia orgônica de modo muito despretensioso, apenas como fruição biológica, ligando os orgasmos aos territórios da imaginação. A pornografia, ao contrário, tem a capacidade de anular esses benefícios e molda a mente do onanista. Deforma suas potencialidades regeneradoras.

A outra importante vantagem desse movimento é o autoconhecimento que o praticante vai aprofundando: sabe o que dá prazer a si e como encontrar esse prazer. É sensível a seu corpo e suas múltiplas dimensões, começa a se ligar com o astral pela via do orgasmo.

O princípio dessa conexão envolve corpo, memória, atavismo. As sensações ampliam de possibilidades o cotidiano.

O sentimento é um portal e, quando ele vai se afinando, portas abrem-se com mais facilidade. Sem perceber, a imaginação vai diminuindo a influência da racionalidade e migrando para o sentimento.

O sentimento é uma região de plena intuição. Nunca é fácil acessar essa região, pois não existem mapas para irmos até lá. Ali a racionalidade não pode entrar. É uma fortaleza. Chega-se aos poucos e não se sabe como isso acontece. A energia orgônica é um combustível. Emanar essa energia é abrir-se para o sentimento. Mas há que cavar.

As técnicas tântricas são parte desse avanço. Vamos percebendo que o corpo é todo palmilhado de zonas erógenas. Vamos tocando essas zonas e ampliando os territórios do prazer. Então, percebemos que nosso corpo não é nosso propriamente. Somos colônias de seres. E, quando vamos identificando essas colônias, vamos também nos descolonizando. Vamos deixando nossa forma egóica para uma multiplicidade de dimensões. Estamos transitando pelas fronteiras que dividem o mundo da terceira dimensão para o da quinta dimensão.

Animados pelos orgasmos expansivos da energia orgônica, gerados e geradores dessa energia primordial, vamos nos desfazendo de nossa forma residual densa para uma outra, expandida, volátil, que não se deixa enclausurar nem medir.

Mas tudo isso é muito sutil, pois acontece no nível das energias, e não estamos acostumados a perceber as energias. Todavia, o bem-estar se instala em nossos dias. Estamos emanando de nossos corpos a energia leve que nos humaniza e conforta. Estamos nos pacificando conosco. A solidão desse movimento pode ser traduzida com o fim de incômodos genéricos.

Passamos a viver bem conosco. Gostamos da solidão mais do que nunca. Passamos a contemplar a vida, pois os cálculos vão sendo anulados.

Sutilmente vamos nos livrando vagarosamente do passado e do futuro. Ainda que não nos demos conta disso, pois, como disse, o movimento das energias leves é de difícil constatação. É só um leve sentimento. Uma íntima euforia, um bem estar.

Tudo isso até aqui descrito é da ordem da subjetividade. Não podemos controlar nada, exceto nossa intenção e nosso acesso ao bem estar. É uma decisão bem peculiar. E fazemos isso impulsionados pelo nosso orgasmo, pela imaginação e pela superação dos constrangimentos que o ego nos impõe. Decidimos experienciar a fluidez que o orgasmo emana com delicadeza e calma. Sem nenhum propósito que não o de imaginar para o gozo. E, assim, vamos nos envolvendo com a energia genésica que é primordial para a vida. Com isso, anulamos alguns protocolos de thanatos, das energias densas que promovem o sofrimento, a vitimização.

Ao emanar essa forma leve de energia, nosso encontro com nossos semelhantes se torna mais fácil, pois a energia que emanamos atrai uma egrégora de energias leves também. Essa egrégora é uma aproximação de energias espirituais que nos acolhe para benefícios comuns. É uma forma de simbiose energética.

A energia que emanamos atrai energias similares e amplia o conforto, retroalimentando-se. Mas essa concentração de energias leves tende a atrair outros para uma zona de conforto comum. Sem percebermos, vamos atraindo seres para nosso ponto de conforto, pois também querem, se é que querem isso, o sentimento que foi acionado com a proximidade.

Essa imantação energética tende a se ampliar e, em algum momento, tangenciamos alguém que vibra energia similar e a força dessa tangência pode atrair mais, estreitando a proximidade. Aí a conexão pode se estabelecer como uma forma nova. O sentimento vai dizer o que é essa conexão. Se tua energia leve se amplia e o bem-estar também aumenta, é virtuosa. E, se é virtuosa, vai permanecer próxima e se fortalecer.

Lentos e sutis desdobramentos fundados na energia leve vão se estendendo, se alimentando da egrégora, se beneficiando agora pela energia orgônica e aumentando sua frequência.

Essa conexão que se fortalece na energia leve pode entrar num movimento mais profundo e, então, precisamos construir os caminhos da intimidade.

Até aqui o movimento foi espontâneo, suave, sem pressa ou ansiedade. Apenas intuindo o fortalecimento da conexão.

A construção da intimidade também deve ser sem pressa ou ansiedade. É um caminho de encontro com esse outro em sua singularidade. Mas é um caminho de amorosidade e de afetação. A construção da intimidade é afetação e é desapego, o mapa do desapego, os fundamentos de uma conexão sem posse.

Deve ser percorrido sem travas e sem constrangimentos. As travas morais são obstáculos à intimidade. São também promessas e falsidades para obter o outro. Fingimentos para que o outro se sinta seduzido para aplacar nossa carência. No universo das energias leves, nunca estamos carentes. Emanamos as energias que facilitam a conexão, mas não carecemos de nenhum derivado, pois podemos nos responsabilizar pelas energias que emanamos, não mais que isso.

Se emanamos energias leves, não densas, então não temos nenhum problema em viver em solidão, em viver conosco na fluência da energia. A tangência do outro não é condicional, mas evento compartilhado pela energia benéfica.

Então, a construção da intimidade já é um contato sem posse, sem apropriação, sem constrangimentos. A intimidade é o conforto entre dois seres íntegros, inteiros. É o fundamento do encontro entre potências que se equivalem ou que querem se equivaler. Por vezes, o outro ainda não vibra  nessa mesma energia, mas experimentou o conforto da conexão. E se aproximou, curioso.

A construção da intimidade é a equivalência entre esses seres que não se querem desiguais, pois a desigualdade emana energias densas que produzem sofrimento, apego, debilidade, desumanização.

Quem sente a vida pela emanação das energias leves não aceita mais o sofrimento, o apego, a desumanidade, pois se tornou um com o cosmo, um com a vida.

A construção da intimidade, portanto, não pode ser limitada pela moralidade de plantão que habita o social. Ela transgride o social e as relações de poder. E, estando para além do poder, acolhe esse outro com crueza, sem retoques, sem engodo.

A imaginação que já está vibrando num território de descobertas amorais está apta a convidar para a dança tribal do sexo sem culpa ou cuidado.

Mas, para se abster da possessividade na construção da intimidade, os emanadores das energias leves devem poder transitar pelas experiências do sexo livre, compartilhado com outros e outras parceiras. Pois, é na intimidade que se constrói as conexões sem posse. O primeiro sintoma de uma conexão sem posse é o desconhecimento do ciúme; o sentimento deve ser de compartilhamento. Cada um pode se conectar com outras conexões de natureza similar: amar não tem limites. Não pode ser privatizado, o amor. E a construção da intimidade é um passo importante para o amor sem posse. É um caminho do apaixonamento.

A construção da intimidade é a imaginação sem limites compartilhada como possibilidade. E quando esse caminho é percorrido por dois seres que emanam energias leves, então a masturbação deve encontrar sua tangência também.

Aqui entra um movimento que pode ser compartilhado sem reservas: o sexo quântico.

Só se acessa o sexo quântico os que vivenciam a quinta dimensão, em que os universos estão dispostos de modo não linear, mas como as folhas de um livro, paralelamente. Isso não pode ser sabido, somente sentido, intuído. Uma vez intuído, pode ser experienciado. A experiência quântica necessita de uma conexão amorosa e livre dos constrangimentos da possessividade.

A conexão quântica se dá quando os dois seres livres, que o são por emanarem energias leves, no mesmo momento, no mesmo instante, ainda que na distância física de seus corpos, dobram os universos e se encontram quanticamente. Essa dobra dos universos, esse encontro improvável de energias, pois, sabedores que a energia não pode ser contida num espaço-tempo limitante, sim, esse encontro, através de masturbações sincronizadas e sintonizadas num querer também leve , anunciam o encontro desses universos, anunciam as dobras temporais e espaciais e, ao vergarem com suas energias, gozam em explosão de uma forma sensivelmente incomum, pois sabem a diferença entre os gozos solitários e quânticos, embora essa mensuração seja sempre sentimental.

Com a repetição desses encontros, a sensação fica cada vez mais leve e clara e os benefícios extrapolam as individualidades e atingem os espaços de vivência de cada um.

Esse movimento deve ser feito em lugares distintos. Nos locais de estudo, de trabalho, nos bares, no shopping. Emanar energias leves contagia tudo e todos e modifica quem estiver sob essa expansão.

Quando esses seres se encontram fisicamente, toda essa energia irá se transmutar em paixão, amorosidade, afeto e carinho. O cuidado, então, assume seu mais intenso movimento. Entre os lobos, o alfa é o lobo cuidador. Dessa maneira, cada um passa a ser um alfa para o cuidar.

O cuidar é um sentimento único. O cuidar pode se transformar num servir. Cada parte da vida, cada conexão, cada encontro é um encontro de serviço, e servir passa a ser elemento-chave na emanação das energias leves. Somos servidores de uma humanidade para a força da bioera, uma era da vida bem acima das classificações entropocênicas.

Quando esse estágio é conquistado, a energia orgônica faz percorrer uma conexão de nível extraordinário. Então, ela se dá no plano físico, mental e espiritual, ligando os seres nos três planos da existência que coexistem de modo independente. O corpo vibrando ferramentas, a mente vibrando ilusões, o espírito vibrando perfeição. A energia orgônica liga os planos num breve infinito.

Utilizo o termo energia orgônica raqueado de Jung. Aqui, essa energia é equivalente à energia genésica em que o orgasmo libera, no entendimento da Filosofia Esotérica, a substância magna por excelência; a mais perfeita, pura e excelsa ligação entre os planos existenciais, a única que cria concomitantemente no físico, no astral e no mental.

Com isso, podemos edificar em torno de nós um biótopo de cura. O biótopo de cura é uma zona de conforto e aceitação que emanamos ao nosso redor quando nos conectamos com outros seres sem os inconvenientes da desigualdade. Cura, nesse caso específico, não se refere a erradicar uma doença, mas a restaurar a união e a integridade da vida.

Atum é “aquele que existe por si mesmo”, deus egípcio formado do nada e que, dizem, teria dado origem a todos os outros deuses exatamente por meio da masturbação, que impulsionava o fluxo do Nilo com sua ejaculação. A população, em dada cerimônia, também fazia fluir todo o gozo para manter o rio sagrado vivo.

*Eduardo Bonzatto é permacultor e professor na Universidade Federal do Sul da Bahia.

2 respostas a “Energias sexuais e o direito a uma vida sem sofrimentos”

  1. Que texto incrível, esclarecedor e disruptivo. Além de Goswami, alguma outra indicação bibliográfica?

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