Rachel de Queiroz: o peso do saber

Selo com a imagem da escritora Rachel de Queiroz.
Imagem: Selo com a imagem da autora Rachel de Queiroz. O texto no topo diz: "Emissão conjunta Sérvia–Brasil: Literatura / Rachel de Queiroz (1910–2003)"
Crédito: http://www.wnsstamps.post/en/stamps/RS053.11, Public domain, via Wikimedia Commons

 

por Sarita Borelli*

Que a literatura nos surpreende, isso é um lugar-comum. Que ainda me surpreendo com encontros inesperados, a cada livro começado, também. Porém, sinto a necessidade de falar sobre esses encontros.

Na escola, Ensino Médio, a professora nos orientou a estudarmos, em grupo, grandes obras da literatura brasileira. Tinha de tudo, com o recorte do regionalismo. Ali, meu grupo conheceu Jorge Amado e fizemos um seminário, talvez um pouco constrangedor por conta das menções a sexo no livro, sobre a obra Capitães de areia (1937).

Havia um outro grupo que fez um seminário sobre O quinze (1930), de Rachel de Queiroz. E este, até então, foi o meu parco contato com a obra dessa autora. 

Depois de uma graduação em Letras e uma pós em Português: Língua e Literatura, esse cenário de conhecimento em relação à autora continuou até este ano, em que resolvi dar uma chance para a literatura dita “regional” e saquei da estante o livro Dôra, Doralina (1975).

Fui tentar comentar sobre o enredo com o meu companheiro de estrada e vida, mas, é aquilo, qual será senão o tema principal que rondam os romances: amor[1] e morte. Pois bem, não consegui sair do lugar-comum também com ele e falhei miseravelmente na descrição do empolgamento que me vi acometida com a presença forte da personagem principal e narradora do romance. 

Já me apaixonei terrivelmente pelo fato de me sentir presa em sua história que, por vezes, fala “espera um pouco que eu já conto, mas você tem de saber outra coisa agora”. Que loucura me ver imersa nesse universo rural, que desprezava por achar desinteressante, cheio de mulheres fortes que mandam e desmandam em situações cotidianas, como a doença, a morte, o casamento etc., mas repletas de significado.

Fazia tempo que uma personagem não me rondava a cabeça nos momentos em que não estou de fato lendo. Dessa vontade de saber e de perguntar “e aí, o que aconteceu?”.

Escrevo para ver se boto a curiosidade em mais alguém, porque a Rachel de Queiroz precisa ser lida também.

Será?

Raquel de Queiroz (Fortaleza, 1910 – Rio de Janeiro, 2003)

Para quem não conhece a biografia da autora, assim como eu não conhecia, escreverei um breve resumo: primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (1977) e a primeira mulher a ganhar o Prêmio Camões. Trotskista durante boa parte de sua vida, quando a ditadura chega em 1964, Rachel muda de lado e atua na defesa do golpe militar[2]

Aviso, novamente, aos leitores que não sou especialista na autora e que, em uma breve pesquisa, pude observar diversos textos dedicados a estudar a biografia de Rachel de Queiroz durante o regime militar. 

Mesmo com poucos dados, porém, não consegui desprezar essa informação. O que fazer agora? Apagar este texto e não publicar nada sobre essa autora? Ignorar e seguir em frente incentivando a sua leitura?

A leveza de nos encantamos com uma literatura é – ou pode ser – estancada com um dado. Agora, o saber representa um peso, pois, se publicasse este texto fazendo uma ode à autora – por encontrar ressonâncias feministas em suas personagens[3] – e sem pontuar essa falha, estaria sendo minimamente leviana com os leitores desta revista. 

Pensando naquele argumento de separar a obra do autor, ainda fica aquele gosto amargo e um tanto quanto falso de minha parte. Dizer que esse dado não tenha atrapalhado o andamento da leitura da obra também não seria verdade. O quanto essa postura de Rachel de Queiroz não atrapalhou a leitura de sua obra no decorrer de tantos anos?

Osmar Pereira Oliva, professor titular da Universidade Estadual de Montes Claros, em artigo sobre a autora, menciona: “[…] O fato de a autora cearense ter-se envolvido com o Partido Comunista e, posteriormente, apoiar o Golpe Militar, com Humberto Castelo Branco, certamente contribuiu negativamente para a recepção crítica da sua obra, pouco lida e discutida ainda hoje nas universidades.” (OLIVA, 2014)[4].

Não pretendo esgotar aqui a biografia nem a fortuna crítica sobre Rachel de Queiroz, apenas compartilhar essa frustração e esse gosto amargo que ainda está em minha boca.

 

*Sarita Borelli é pós-graduada em Português: Língua e Literatura pela Metodista e em Design Editorial pelo Senac, graduada em Letras pela Universidade de São Paulo, designer, editora responsável pela Editora Gota e idealizadora da Revista Aluvião.


[1]“Como já foi dito, um dos temas mais explorados, em toda a história da literatura, é o amor. Talvez ele possa ser considerado o tema literário por excelência.” JAFFE, Noemi. Escrita em movimento: sete princípios do fazer literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2023. p. 37.
[2]FERREIRA, Raquel França dos Santos; VENANCIO, Giselle Martins. Rachel de Queiroz: adesão e crítica aos desdobramentos políticos pós-1964. Perseu, n. 11, 2016. Disponível em: https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/95. Acesso em: 1 nov. 2023.
[3]Rachel de Queiroz não se considerava feminista, muito pelo contrário. “Eu sempre tive horror das feministas; elas só me chamavam de machista. Eu acho o feminismo um movimento mal orientado. Por isso sempre tomei providências para não servir de estandarte para ele” (QUEIROZ, Rachel de. As três Marias. São Paulo: Siciliano, 1997. p. 26.) Trecho retirado do artigo OLIVA, Osmar Pereira. Rachel de Queiroz e o romance de 30: ressonâncias do socialismo e do feminismo. Cadernos Pagu, n. 43, jul-dez. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/33P7DMMHdKvJCM9xGBWDLst/?lang=pt#. Acesso em: 1 nov. 2023.
[4]OLIVA, Osmar Pereira. Rachel de Queiroz e o romance de 30: ressonâncias do socialismo e do feminismo. Cadernos Pagu, n. 43, jul-dez. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/33P7DMMHdKvJCM9xGBWDLst/?lang=pt#. Acesso em: 1 nov. 2023.

 

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