Você sabe o que é audiodescrição?

por Gabriela Alias*


Dia desses, ao final de uma peça de teatro, conversava com um garoto que também assistira à peça e estava esperando a mãe. Era uma peça linda, de profundidade psicológica – e todos os detalhes do figurino e do palco faziam diferença na ambientação. Durante a conversa, perguntei-lhe o que mais chamara a sua atenção no espetáculo, e ele prontamente disse: as asas de anjo formada por mãos que pareciam se puxar e as bailarinas (mutiladas) que pendiam do teto.
Essa situação pouco chamaria a atenção se não fosse um pequeno detalhe: o moço que comentou sobre as asas não enxerga! Ao final dessa peça, teve um tour tátil, em que as pessoas com deficiência podiam tocar o cenário. As bailarinas, porém, estavam penduradas, fora do alcance das mãos. Como, então, ele conseguiu ver?
Você já parou para pensar como uma pessoa com deficiência visual consegue assistir a peças de teatro? Assistir a um filme? Ler um livro com várias imagens? Participar de uma aula e ver o que está no slide?
Há uma “mágica” que faz as pessoas com deficiência “enxergarem”, chamada de audiodescrição. Você já ouviu falar de audiodescrição alguma vez?
A audiodescrição é um recurso de Tecnologia Assistiva que consiste em um tipo de tradução. Porém, em vez de traduzirmos palavras, traduzimos imagens. Imagens em palavras, a fim de que a pessoa com deficiência visual possa ter acesso ao universo imagético de uma peça de teatro, da imagem de um livro didático, de um evento, de um casamento, de exame de ultrassom.

Audiodescrever tem como consequência equiparar oportunidades.

Enfim, são inúmeras as possibilidades em que a audiodescrição pode ser aplicada! Ah, e ela não se restringe a pessoas com deficiência visual. Também pode ser utilizada com pessoas idosas, disléxicos, pessoas com deficiência intelectual, estudantes com Transtorno de Atenção e Hiperatividade (TDAH), pois é mais uma forma de dar detalhes sobre o produto e também permite a ampliação do repertório lexical.
A audiodescrição permite o empoderamento da pessoa com deficiência visual – como o exemplo que inicia este texto. Ninguém disse a ele se a bailarina era bonita ou feia, mas sim como era essa bailarina, o que permitiu que ele fizesse seu próprio juízo de valor.
Audiodescrever tem como consequência equiparar oportunidades. Oportunidades de acesso ao permitir que pessoas com deficiência visual sejam, de fato, incluídas; que possam ir a uma peça de teatro e vejam como os personagens são e não apenas se são “bonitos” ou “feios”. É uma forma de deixar de depender do olhar do outro para ter acesso a como são as coisas e poder emitir sua própria opinião.

Para visitar: Página Ver com Palavras, de Lívia Motta.

Então, audiodescrição é fácil. Posso sair por aí audiodescrevendo tudo o que vejo, de qualquer forma? Não! Para se tornar um audiodescritor é necessário muito estudo. A máxima proferida por um dos formadores de audiodescritores pelo mundo, Joel Snyder, “describe what you see” (descreva o que você vê) vem cheia de “lições” nas entrelinhas. Audiodescrever, como comentei no início, é uma forma de tradução e, como qualquer atividade desse tipo, exige técnica, domínio do léxico e boa redação. Uma audiodescrição malfeita por pessoas não qualificadas (assunto que vem sendo discutido pelos audiodescritores brasileiros) vai de encontro à inclusão, pois, em vez de permitir o acesso, pode apresentar informações erradas ou incompletas.
Uma boa audiodescrição é aquela que empodera!

*Gabriela Alias é professora e especialista em audiodescrição.

 

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