por Nathalia Campos*
Ciência
Derreter a certeza dos astros
E com a parafina colorida do giz de cera
Animar os sistemas
Como nos dias da nossa infância
Quando a luz elétrica pingava
Um dia sim um dia sim
E qualquer verde era azul
Ou nem tanto
Acaçapar as bolas de sinuca em gozo de anarquia
(Rico mesmo era quem nem vela tinha)
Nos dava o luxo de recontar o universo
Com a goela do breu
Só as crianças sabem
Que o que existe mesmo é a luz
E se safam da fogueira
Câmera escura
CENA 1: PINTURA
o sol tomba no pátio uma oliveira seca
como a narrar a tarde em voz alta
à carmelita sem janelas:
uma traqueia embargada de ferrugens e gemas
arfando a queda
para que olhos se o deserto também é claustro?
auscultar a paisagem é ouvir espelhos
CENA 2: MORTALHA
os objetos são para os olhos
o que a mulher amada é para os artistas:
só têm alma se admirados
bem o sabem os espelhos
que vendados em dias de luto
choram o morticínio invisível de suas Galateias
não lavradas à luz
CENA 3: IMAGEM
e se na verdade os espelhos não refletissem
mas observassem?
atrás de nossas familiares lentes
em autocontemplação apaixonada
Narciso se divertisse em dançar
com o mundo que perdeu para si mesmo
ao som do compacto
lado a – eu, lado b – você?
(repare
como assoma sempre um meio riso cínico
no canto da sua boca após algum tempo de cisma
diante da incurável face)
CENA 4: ECLIPSE
há coisas
dizem
só se nos dão a ver
quando olhadas por outros olhos
o balé dos ciprestes por Van Gogh
a louça pelo vizinho
o gênio pelo amanhã
o cinema pela Górgona
o corpo pelo desejo forâneo
penso eu me encarando de costas
de dentro da polaroide
Academia
Submergir
Nos baldes de pipoca
Azeitando a mola das rótulas
Pra não me restar um piruá sequer
Na alma encruada
Chorar com as pitangas
Todo o meu vermelho
Pra aumentar o retorno das válvulas
E chamar o lobo anêmico em jornada
Fazer flexões na superfície natural
Que até Jesus preferiu
A abrir funduras sem causas
Tão velhas quanto andar pra frente
Desempatar meu 0 x 0
Em campeonatos de risos
Partidas com 12 músculos em campo
E sisos de leite
Alongar o dorso na barra maciça
Dos teus ombros altos
Em olimpíadas de abraços
Sem tempos alternados pra voltar ao chão
Dançar com os coelhos do céu
E abrolhar calos nas pestanas açucaradas
Binóculos bulindo a ventarola de algodão
Estrear poros sonantes
Na fumaça dum balneário
As árias tontas de pedras
Rendendo a mudez do corpo
O zênite
No dedão do pé e na ponta do seio
Sem a mania do aposto bronco
Entre a cabeça e o resto
Agora dei pra ser atleta
*Nathalia Campos é poeta, revisora e doutoranda em Letras pela UFMG. Em 2017 lançou seu primeiro livro, Desinfinito, pela Editora Patuá. E-mail: nathaguiarcampos@gmail.com